A chuva enfim veio nos visitar. É bom como o dia fica leve com a presença dela, sempre cinza e diáfano... Tudo no céu são ondas vaporosas de cinza e branco, e quando se enfurece, as nuvens tomam volume, ficam negras e ameaçadoras.
Ontem tomei a primeira chuva que veio, no fim da tarde. Fazia tanto tempo que não me acontecia isso! Sensação que não sei explicar. Isso porque a chuva não era tempestade, mas era daqueles pingos gelados e freqüentes que acertam sua pele sem que notarmos até estarmos completamente molhados, mas não encharcados.
É dessa chuva que eu gosto mais. Expressa sensibilidade e paz. Tudo fica sereno e quieto, tudo parece repousar não sei porque motivo. A natureza bebe com discreto prazer aquilo que a revitaliza. Ela também fica calada.
Embora as tempestades nos eletrizem junto das nuvens carregadas, elas causam espanto, e não tranqüilidade. Poder observá-las é um privilégio, são incomuns e espetaculosas. Mas a chuva fina quase garoa sorri enquanto o céu chora. Vem feliz molhar sua testa e te assustar coma surpresa do pingo generoso que te acertou, gelado.
A menina vem, atravessa a rua, duas sombrinhas nas mãos, mas ela prefere caminhar na chuva, apressada, não sei para onde vai, tão nova e de expressão tão fechada. O vento bate em nós.
O senhor corre, descendo a rua, desprotegido, mas com um sorriso alegre comenta: "que chuvinha gelada!" ao passar por mim, também sem guarda-chuva.
O menininho se esforça em se esconder dentro de uma arvorezinha mal-crescida, mal-podada enquanto a mãe grita para ele seguí-la e não ficar lá, entre as folhas.
As cores ficam mais vivas quando dispostas sob o fundo cinza. Nada como o contraste vermelho num dia de chuva. Um carro vermelho que passa fazendo espalhar a água dos pavimentos cinzas da rua. Garotos em uniformes de vermelho vivo, de futebol, fazendo aquecimento entre a chuva quedante, sem hesitar. Um guarda-chuva vermelho que passeia ocultando o rosto do dono. As luzes dos faróis são baças e tem uma pitada de encanto, como se houvesse algo de especial sobre simples lâmpadas encaixadas nos carros.
E depois que passa, dificilmente voltamos a lembrar de tudo o que a chuva, imperceptivelmente, imprimiu em nossa mente. Ela é velha conhecida nossa...